Artigo Científico/Alma gêmea existe?

Saiba o que dizem a cabala e a psicanálise sobre a perspectiva de um amor perfeito

Por ANA ELIZABETH DINIZ

Portal O Tempo

O desejo de encontrar a alma gêmea é legítimo e há quem ainda persista nessa busca, romantizando e idealizando um encontro perfeito, sem rusgas. Mas será que a alma gêmea está em outra pessoa ou podemos ser nosso par mais que perfeito? O judaísmo entende que a alma volta para a Terra para cumprir os mandamentos divinos, mas também sua missão de alma.

“Cada alma tem que cumprir seu ‘tikun olan’, ou seja, reparar, consertar um dano. Almas gêmeas podem se encontrar para juntas realizar esses acertos. Não é à toa que elas se juntam. O encontro de almas gemas não é apenas tomar água de coco na praia e viver felizes para sempre”, comenta Sandra Strauss, professora de cabala e educação energética da Escola Engenharia da Alma.

Ela explica que o encontro das almas gêmeas sempre tem um propósito maior em benefício da humanidade. “É a maior plenitude que se pode ter. Essa parceria de almas ocorre para que haja uma transformação no nível coletivo, beneficiando a todos e trazendo luz para o mundo. Almas gemas podem, por exemplo, gerar um filho cientista que vai descobrir uma vacina para curar determinada doença. A finalidade maior é sempre o coletivo”, diz Sandra.

Segundo o Zohar, principal livro da cabala, antes de descer para este mundo, a alma tem ao mesmo tempo dois aspectos energéticos complementares - um masculino e um feminino (aqui não se trata de gênero). “Quando a alma reencarna, o homem recebe as duas partes da alma (masculina e feminina) e a mulher também. A alma se divide em duas e, uma vez na Terra, terá sempre a sensação de que falta a outra metade”, ensina a professora.

Dentro da tradição judaica há vários exemplos dessa parceria de alma, como Abrahão e Sara, Isaque e Rebeca e ainda as matriarcas e os patriarcas, que eram almas complementares. “Tenho certeza de que sou filha de almas gêmeas. Meu pai tinha 15 anos e minha mãe, 13 anos quando se conheceram, exatamente dois anos de diferença entre eles, o que é um pressuposto do Zohar para esse tipo de encontro. Tiveram inúmeros desafios ao longo da vida, brigas e conflitos, mas nunca pensaram em separar. Sempre houve muito amor. Hoje ele está com 79 anos e ela com 77 anos”, conta Sandra.

E ressalta: “sabe aquela vida a dois? Não tem um sem o outro nem o outro sem o um. E essa cumplicidade me permitiu fazer minhas próprias escolhas na vida. Foi maravilhoso ter meus pais como almas gêmeas, mas esse exemplo não me serviu como modelo de casal, por incrível que pareça”, diz.

A especialista comenta que a alma gêmea pode estar também na completude da sua alma masculina com sua alma feminina. “A maior conquista individual é ter a alma equilibrada: o lado masculino, provedor, focado, o que realiza; com o lado feminino, receptor, intuitivo, o que cura. Quando o feminino e o masculino estão em harmonia dentro de você, sua alma é completa e você está realmente aprendendo a arte de receber aquilo que precisa. Você pode ser sua própria alma gêmea”, revela.

Mas porque nem todo mundo encontra sua alma gêmea? “Nem todas as pessoas têm o receptor para isso, ou seja, não são capazes de receber aquilo que foi predestinado e nem sabem como fazer isso acontecer. Tem a questão do merecimento também. Nem sempre recebemos aquilo que desejamos, mas sim o que precisamos”, alerta a especialista.

Sandra explica que não há o que teorizar sobre o reconhecimento de uma alma gêmea. “Quando você estiver diante se sua alma gêmea não terá dúvidas. Você simplesmente terá a maior certeza do mundo de que a encontrou. É bom dizer que irmãos podem ser almas gêmeas também e que nem todas as pessoas vão se encontrar com sua alma gêmea”.

As identificações primárias

A busca pela alma gêmea tem raízes profundas em nosso psiquismo. É o que revela Grayson Santos, psicólogo clínico e especialista em teoria psicanalítica. “Para nós, a alma gêmea é um processo psíquico de identificação que acontece com todo ser humano. Nossa constituição psíquica se dá por meio de identificações primárias, inicialmente com os primeiros cuidadores, geralmente, o pai e a mãe. A partir daí construímos nosso eu”.

Depois o indivíduo ganha o mundo e vai buscar, de forma inconsciente, encontrar um par para suas identificações primárias. “Obviamente, a busca é por algo que o complete. A pessoa deseja alguém que pense igual a ela e que faça coisas que a complementem. E, claro, muitas das vezes isso não é possível porque pode ser que em sua constituição psíquica não houve uma identificação primária saudável”, comenta Santos.

Para ele, encontrar a alma gêmea é possível desde que o psiquismo esteja integrado com identificações saudáveis. “Se há falhas na identificação, a pessoa vai buscar algo que supostamente vai completá-la e pode se identificar com perfis agressores, fragilizados e perversos. Gente que vai ferir ao invés de nutrir”, diz.

Mas tem coisas que só o amadurecimento trás. “Com o passar do tempo é possível se conhecer melhor e identificar o que é preciso para se compor como ser humano e não fantasiosamente buscar no outro. Quanto mais integrado, menos o indivíduo terá necessidade do outro porque passa a reconhecer em si aquilo que buscava fora”, analisa o psicólogo.

Por outro lado, “quando o psiquismo não está integrado, a pessoa vai necessitar muito do outro para obter reconhecimento, validação e amor. Muitos passam a vida inteira a mercê dessa busca, mas antes de sair procurando pela alma gêmea é preciso reconhecer se sei ser uma alma para o outro. Algumas pessoas não conseguem fazer dupla, acabam se esquecendo se si, de quem são e demandam muito do outro. Às vezes o outro até tem amor, mas se eu não tenho não vou conseguir manter a relação saudável”, conclui Santos. (AED)

A jornalista Ana Elizabeth Diniz escreve neste espaço às terças-feiras. E-mail: anabethdiniz@gmail.com